Paixão e violência em jogo
- praticajornalistic
- 6 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de jun. de 2023
Torcidas organizadas fazem parte da cultura esportiva, enchendo as arquibancadas com cores, cânticos e amor pelo time do coração. No entanto, ao longo dos anos, esses grupos também passaram a ser associados a um problema persistente:
agressões dentro e fora dos estádios
Por Enzo Romero

Crédito: reprodução/Instagram Força Jovem Goiás
As torcidas organizadas começaram a frequentar os estádios brasileiros por volta de 1960, em uma época de mudanças sociais e políticas no país, provocadas pelo Regime Militar (1964-1985). O futebol já era uma paixão nacional, mas os torcedores queriam expressar seu apoio aos times de um jeito mais organizado e intenso. Nesse espírito nasceram as “torcidas organizadas”, unindo pessoas em torno de um ideal em comum: apoiar e defender o clube do coração.
Porém, junto a toda essa empolgação, os indícios de violência surgiram à medida que as torcidas organizadas começaram a ser controladas por pessoas ligadas ao crime. As rivalidades entre as torcidas e a tensão nos jogos acabaram resultando em brigas, vandalismo e atitudes agressivas. A partir dos anos 1990, as organizadas passaram a ser alvo de discussões e preocupações, fazendo as pessoas questionarem quais os limites da rivalidade.
Uma pesquisa realizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) indica que, para 68% dos torcedores, a violência é o principal motivo para não ir aos estádios. Os dirigentes dos clubes, as autoridades do esporte e até os próprios torcedores têm que lidar com o desafio de criar uma atmosfera animada e, ao mesmo tempo, garantir a segurança de todos envolvidos nos jogos.
Problema mundial
A violência provocada pelas torcidas organizadas não é só um problema no Brasil; acontece em outros estádios mundo afora. No entanto, o brasileiro tem enfrentado dificuldades específicas: rivalidades históricas e disputas de poder dentro das próprias organizadas. Sem contar a impunidade, a falta de fiscalização e a presença de pessoas violentas infiltradas nas torcidas para cometer crimes. Essas variáveis complicam ainda mais a situação.
O sociólogo Mauricio Murad, professor da Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e especialista em sociologia do esporte, estuda a violência no futebol há 26 anos. Autor do livro “Para entender a violência no futebol” (2012, a editora Benvirá), Murad afirma que o Brasil é o país onde mais morrem torcedores em funções das brigas. “É uma contradição o futebol ter essa importância na cultura, no comportamento, na vida dos brasileiros, e a violência afastar esses mesmos brasileiros dos estádios, perturbando um de seus principais divertimentos”, avalia o especialista.
A visão do torcedor
Há três anos, Guilherme Henrique da Silva, 16 anos, faz parte da Força Jovem Goiás, organizada. Incentivado pelos amigos, passou a frequentar os jogos do Goiás para incentivar o clube do coração. "A paixão pelo Goiás e pela torcida é o que me motiva a fazer parte de uma organizada. Já presenciei brigas no estádio, sei que a violência é um problema sério e acho bobeira quando tem violência envolvendo futebol. Essas brigas prejudicam até o próprio Goiás", avalia. Um dos tumultos presenciados pelo jovem envolveram torcedores do próprio clube, que brigaram entre si por conta de uma desorganização dentro dos cânticos da torcida. Guilherme conta que ficou de fora, mas ainda assim, teve muito medo diante de uma situação tão violenta.
As torcidas organizadas nos estádios são um fenômeno complexo e contraditório. Por um lado, representam a expressão máxima de paixão e apoio aos clubes, criando um ambiente vibrante nos estádios e motivando os jogadores. Por outro lado, a violência que frequentemente acompanha esses grupos é um problema sério que demanda atenção e soluções efetivas.
Em maio de 2003, foi promulgada a Lei 10.671, mais conhecida como Estatuto do Torcedor, com o objetivo de regulamentar os direitos do consumidor que acompanha e aprecia modalidades esportivas. Em 2010, houve alterações no Estatuto e foram atualizados dispositivos relacionados às torcidas organizadas que passaram a ser obrigadas a manter atualizado o cadastro de seus integrantes. As modificações ampliaram de três para cinco anos o acesso de associados ou membros em comparecer a eventos esportivos em caso de promoção de tumulto, práticas violências, invasão de local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas. Além disso, definiu que a organizada “responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento”. As medidas foram adotadas para impedir violência que leva à morte de torcedores.

Arte: Enzo Romero
É fundamental que clubes, autoridades esportivas, sociedade civil e os próprios torcedores unam esforços para combater a violência associada às torcidas organizadas. Medidas de segurança nos estádios, proibições de torcidas violentas e principalmente a aplicação das leis válidas para os indivíduos em todos os momentos dentro e fora do estádio.
No entanto, é importante ressaltar que nem todos os torcedores envolvidos com torcidas organizadas são violentos. Muitos são apaixonados e comprometidos com seus clubes sem recorrer à violência. É necessário reconhecer essa diversidade e trabalhar para promover uma cultura de respeito e fair play entre as torcidas. O futebol deve ser levado como entretenimento e a experiência de torcer devem ser vividas de forma saudável e segura. Os torcedores merecem desfrutar plenamente de jogos nos estádios, em um ambiente inclusivo, onde a paixão prevalecer sem a sombra da violência.
Saiba +
As primeiras torcidas organizadas do futebol brasileiro foram criadas em 1939 para apoiar o time do São Paulo e, em 1942, para incentivar o Flamengo. No ranking a seguir, estão listadas as 10 organizadas brasileiras com maior número de associados ou membros.

Arte: Enzo Romero




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