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Fora das telas

  • praticajornalistic
  • 6 de jun. de 2023
  • 10 min de leitura

Atualizado: 12 de jun. de 2023

Jogos eletrônicos evoluíram nas últimas cinco décadas, firmando-se como um lucrativo setor de entretenimento. Apesar dos números positivos, suposições sobre o uso dos

jogos como vetor de violência ainda assombram o cenário gamer


Por Guilherme Vieira


Você sabia que o primeiro protótipo de um console de videogame foi lançado em 1972? Desde que a ideia surgiu com o Magnavox Odyssey, o primeiro console lançado nos EUA, os demais videogames têm evoluído bastante ao longo dos anos. As histórias dos jogos eletrônicos começaram a ganhar popularidade entre as crianças e os adolescentes devido à ascensão do primogênito dos videogames. Seja em um estilo de aventura ou ação, as narrativas presentes nos games deixavam os usuários fascinados.


Mas nem tudo são flores. Em 1999, o caso Columbine chamou a atenção do mundo para atos violentos praticados em escolas nos EUA. No episódio, dois jovens armados invadiram o colégio onde estudavam e abriram fogo contra colegas, professores e funcionários. Após uma hora de ataque, o resultado foram 13 mortos e 21 feridos, além do suicídio dos dois atiradores. A dinâmica da tragédia logo foi associada a jogos de videogame.


A proporção desta associação desconexa gerou um impacto enorme na trajetória dos games, prejudicando a imagem de franquias bem sucedidas como a de Mortal Kombat. Ainda que as pessoas se opusessem ao desenvolvimento de alguns gêneros do setor, a discussão em torno do assunto é grande, embora existam características positivas que mostram a boa relação entre um jogador e seu console.


Em abril de 2023, um caso no Brasil sensibilizou a população brasileira quando um agressor invadiu a creche de crianças e assassinou quatro delas, em Blumenau (SC). O presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, prestou condolências às vítimas e redirecionou sua fala a relacionar os jogos com o ocorrido, reforçando o estereótipo da associação. Logo em seguida, a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), repudiou a fala e classificou o discurso do presidente como “inconsequente”. A tragédia de Columbie havia deixado resquícios.

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O primeiro console, Magnavox Odyssey, lançado em setembro de 1972, nos Estados Unidos.

Crédito: reprodução: Moma.org/Pinterest.


Desvendando os motivos


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estudo de psicologia que não há quaisquer relações comprovadas entre videogames e atos

violentos praticados fora das telas. Apesar disso, o estudo evidencia que algumas mecânicas seguidas

de situações podem desencadear sentimentos ou reações de raiva, como forma de frustração

pelo eventual resultado do jogo. Foto/Reprodução: Freepik.


O psicólogo Guilherme Paulino Mazetto esclarece questões entre o comportamento dos jogadores e disputas virtuais. Ele explica que o isolamento social leva a pessoa a diminuir o nível de empatia. Segundo Mazetto, em ambientes onde existam contextos violentos e agressivos, há sim a possibilidade de que os transtornos pré-existentes podem trabalhar contra a capacidade de empatia do sujeito. “Quando uma pessoa em desenvolvimento não possui lugar para exercitar a compaixão, as chances de a sociedade rejeitá-lo é mais alta”, analisa.


O profissional ainda explica que pensamentos negativos são difíceis de serem definidos. Pessoas desenvolvem pensamentos positivos e negativos o tempo todo, o problema começa quando os negativos prevalecem. “É normal que o cérebro humano tente se prevenir contra situações adversas e acabe desenvolvendo cenários negativos e de inseguranças. Faz parte da nossa natureza nos adiantar às adversidades,” pontua o psicólogo.


Mas há como tornar esse cenário mais positivo e apreciador para pais e filhos. Muito se especula sobre a presença dos pais em relação aos jogos que os filhos consomem, mas o surpreendente é que os pais deveriam sim, participar dessa dinâmica. Mazetto define e classifica até três razões para que isso aconteça. “Primeiro, para que haja algum controle parental, os pais precisam entender o que se passa em cada jogo e na mente de cada filho. Em segundo, cria-se um ambiente onde a criança não se isola das novas tecnologias, inundando seus contextos e de suas amizades. Por fim, se houver uma presença conhecida e de confiança no ambiente de jogos, as chances de desenvolver uma relação desfavorável entre eles se reduz”, enumera.


Essa presença garante que os limites sejam mais precisos quando necessários, ou seja, não afasta a criança ou o adolescente do seu núcleo familiar e desenvolve uma relação mais humanizada com as tecnologias. A referência de um adulto de confiança que demonstra equilíbrio emocional afasta o sentimento de frustração.


Os jogos ainda evoluíram a ponto de conectar um jogador a outro, independentemente da distância, é importante considerar a cultura de outras pessoas. Na visão de Mazetto, isso afeta positivamente cada jogador, visto que o interesse e respeito por conhecer o mundo é mais dinâmico através dessas conexões on-line. Expandir o conhecimento sobre línguas estrangeiras, costumes culturais, interesses fora das redes, são aspectos que desenvolvem o jogador. Mas, novamente, é uma tarefa que recai sobre os pais, a de permitir que esses elementos se tornem significativos.


“Os jogos eletrônicos podem se tornar uma ferramenta incrível de entretenimento, descanso, aprendizagem e desenvolvimento. Temos dados o suficiente para afirmar que há um impacto positivo moderado em atividades psicomotoras, coordenação visual-motora e memória em indivíduos que possuem uma rotina de jogos”, esclarece o especialista.


Ainda segundo o psicólogo, é importante reforçar que existem pessoas que vão se utilizar dos jogos como um subterfúgio para agirem de forma disfuncional. Mas isso diz mais sobre a pessoa e de seu ambiente do que sobre os jogos em si. Na avaliação do especialista, a presença dos pais é indispensável na vida da criança ou adolescente, em todos os cenários. Seja nos jogos ou em brincadeiras físicas, o vínculo familiar se torna mais forte quando todos estão juntos.


Refrescando a memória


Existe uma troca muito enriquecedora entre pais e filhos quando o assunto é abordar e investigar antigas formas de diversão. Cantigas de roda, pião, pula corda, bolinha de gude e amarelinha tornaram-se populares em um período em que a internet nem existia. Na era digital, estimular a diversão entre crianças de forma lúdica pode ser uma tarefa difícil. O estudo Brinquedos, brincadeiras e cantigas de roda: Como brincavam nossos pais e avós revelou que resgatar a bagagem cultural dessas brincadeiras é um exercício que possibilita aos pequenos conhecer as experiências antigas e vivenciar novas.


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Crianças praticando brincadeiras físicas entre si, ao ar livre. Credito: reprodução/Freepik.



Mãe e filho, é uma relação única de afeto e carinho. É a vontade de proteger que sempre fala mais alto. Para Cláudia Fernandes Omoto, aproveitar a companhia e cuidar de seu filho mais novo, Miguel, é um privilégio que conquistou há oito anos. Fã do jogo Minecraft, Miguel curte um momento em frente às telinhas. Mas, ao mesmo tempo, adora brincadeiras aleatórias com outras crianças da escola.


O pequeno conheceu o mundo dos jogos através dos celulares e mais tarde, aos cinco anos, ganhou de presente um tablet. Foi a partir do jogo popular Free Fire que Miguel passou a ficar nervoso e a desferir palavrões pela casa. “No começo era muito tranquilo. Mas quando ele começou a conhecer outros tipos de jogos, comecei a enxergar algumas atitudes negativas”, avalia a mãe. Os tipos de jogos que chamam a atenção e Cláudia são aqueles com dinâmica de tiro. “Dei permissão para que ele jogasse o tal jogo (Free Fire) e passei a prestar atenção. Percebi que as pessoas que estavam jogando com ele falavam muitos palavrões. Então o proibi na hora”, completa.


Ralar o joelho, rasgar o dedão do pé, brincar de esconde-esconde ou pega-pega, correr até perder o fôlego. Cláudia sempre incentiva o pequeno a praticar as brincadeiras de sua época com os amigos, mas ao mesmo tempo, queixa-se de que o ritmo não é como antigamente. “Apoio totalmente que ele brinque na escola e com os amigos em casa, mas logo cansam e param com as brincadeiras. Hoje em dia mudou bastante, em relação a como era antigamente. Não se pode deixar as crianças brincarem na rua como no passado”, reflete.


De fato, tomar a maior das precauções com as crianças é necessário. Isto é, dentro e fora dos jogos eletrônicos. Controlar o conteúdo em que a criança consome é ideal para manter tudo nos eixos. Assim como Cláudia, que preza pela educação e o bom comportamento do filho, acionou o Google Family (controle da família), uma ferramenta em que é permitido aos pais o controle total dos apps que os pequenos baixam em seus dispositivos.


Apesar do nervosismo, Miguel não se tornou uma criança violenta e respeitou o pedido da mãe. Restringir conteúdos inapropriados é o recomendado até que os menores de idade atinjam a maioridade. No portal do Ministério da Justiça, é possível consultar os títulos e suas classificações indicativas. Ainda segundo o Ministério da Justiça e o da Segurança Pública, a classificação indicativa é determinada por ambas as pastas, mas isso não substitui a supervisão que deve ser feita pelos pais, dentro de casa.

E Cláudia não proibiu o filho de jogar. Sabendo da paixão pelos games, a mãe vetou alguns gêneros, como os de tiro, e permitiu que o filho experimentasse outros mais leves.


Conexões afora


Os jogos progrediram. E para alguns, jogar é estar nas nuvens. O controle está em mãos e a TV ligada, tudo pronto para iniciar uma nova saga no mundo dos videogames. Partida acirrada e lábios secos, a bola quase chegou ao gol. Este era o momento de lazer para Matheus Nascimento, 22 anos, mas que começou a jogar em 2016. “Comecei jogando Fifa e depois conheci outros jogos. Percebi que apesar do estresse, o jogo serve como uma espécie de terapia. É bom poder se conectar com outras pessoas e fazer amizades”, conta entusiasmado.


Seja do outro lado do oceano ou a poucos metros de distância, as relações fortalecem os vínculos entre os jogadores. Para Matheus, os jogos são bastante representativos: foi a partir da sua paixão por Fifa que se tornou um pró-player (jogador profissional) e hoje, adota o nome artístico de Relitore. “Posso dizer que o jogo é educacional, me ajudou bastante na aprendizagem. Com certeza, estamos sempre aprendendo! Os jogos vão muito além do que as pessoas pensam, há como usá-los ao seu favor”, diz.

Matheus Nascimento, mais conhecido como Relitore, é pró-player em jogos de futebol eletrônico

Crédito: Relitore/arquivo pessoal



O E-Sports é o principal trabalho de Relitore, jogador experiente de jogos eletrônicos e a sua especialidade são os de futebol. Fifa 21, PES 21, Football Manager 21, entre outros. São alguns títulos que ele já experimentou. Ele também é criador de conteúdo e realiza transmissões ao vivo, as chamadas livestream. Integrante de uma equipe profissional de SPQR Brasil Team, fundada em 2018, o gamer conta que sua família teve um papel importante em relação à classificação indicativa de alguns gêneros dos jogos. Os de tiros, principalmente, foram proibidos até que atingisse a maioridade, mas que no geral nunca foi restringido a acessar os jogos eletônicos. Para os pais, intervir no tempo de uso nunca foi um problema, pois desde que começou a jogar, o jovem já tinha conhecimento sobre a hora de parar e descansar.


Matheus conta que os jogos criam um networking gigantesco com outras pessoas. Brasileiros ou “gringos”, a troca de conhecimento entre os jogadores é um dos principais aspectos positivos dos games. Porém, as amizades nem sempre são duradouras. “Já fiz muitas amizades, algumas se perderam e outras permanecem. O jogo te conecta e te abre uma visão de mundo muito legal”, diz o gamer.


Entretanto, manter o bem-estar nessa indústria pode ser complicado. Há momentos desanimadores e desgastantes. Matheus explica que ser um jogador profissional é saber que fases ruins aparecerão, mas que ao mesmo tempo a vontade de alcançar os objetivos é maior do que as de desistir. O jogador chama a atenção sobre esse aspecto negativo e explica que reprimir o pensamento da desistência é importante para se reinventar no cenário, usar a criatividade para enxergar o que não deu certo e ampliar o conteúdo.


Ainda segundo Matheus, as influências que sente por meio dos jogos são diferentes dos estereótipos que são ditos por aí. As pessoas acreditam fortemente que os gêneros de ação, luta e tiro, possam levar os jogadores a cometer ações violentas. “O tipo de influência que acontece comigo é a de compra. Quando fico muito animado com trailers e novidades sobre o lançamento de um jogo, isso me induz muito a comprar. O jogo Fifa, por exemplo, solta informações, fotos, vídeos e logo fico muito animado para testar”, comenta.


E isso é bastante comum entre os jogadores, casuais ou profissionais, o famoso hype (animação) para o lançamento das franquias. Para aqueles que buscam ser um pró-player de sucesso, Matheus deixa um recado: “Sobre se tornar um jogador profissional, o essencial é fazer networking com outras pessoas. É super fácil de adquirir isso. Você pode conversar com outros jogadores e fazer uma troca muito enriquecedora; sobre truques, dicas, estratégias, jogabilidade e muito mais. E o indispensável, é treinar muito. Treine para evoluir cada vez mais e sempre comemore suas conquistas, mesmo que sejam pequenas”.


Relembre os sucessos


Independentemente da plataforma de consoles em que foram lançados, diversas franquias fizeram um tremendo sucesso ao criar histórias. Recorde nesta linha do tempo e viva intensamente a nostalgia, entre os anos de 1980 e 2011.


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Arte: Guilherme Vieira


Triunfos, vitórias e conquistas no cenário gamer


Ser gamer é tudo de bom. Mas na real, você sabe diferenciar um gamer de um jogador casual? O termo surgiu justamente para afastar os jogadores comuns dos profissionais, ou seja, aqueles que jogam por diversão e lazer, dos que estão inseridos no cenário do E-Sports (esportes eletrônicos). A proposta do E-Sports é convidar jogadores profissionais para campeonatos em diferentes estilos de jogos. Um assunto novo que está roubando a cena no mundo gamer.


Normalmente, os campeonatos são organizados em eventos e patrocinados por grandes empresas, como a Playstation. Além de incentivar a competição, isso traz um retorno muito grande para o jogo em si e a indústria dos games. E não pense que é uma tarefa fácil: jogadores de todo o mundo disputam o famoso prêmio em busca da glória e do reconhecimento. E não pense que os jogadores são apenas do sexo masculino: as mulheres estão muito em alta no cenário gamer.


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Mulheres conquistaram forte presença no cenário gamer, principalmente no E-Sports. Foto/Reprodução: Freepik



Uma pesquisa que foi uma iniciativa da PGB (Pesquisa Game Brasil), expõe dados inteiramente do Brasil em relação aos jogos. Com o apoio da Sioux Group e Go Gamers, com parceria da Blend New Research e ESPM. A cobertura foi dividida em diversos tópicos, como por exemplo: perfil dos jogadores, plataformas, smartphone, console, computador, E-Sports e mais.


A pesquisa evidencia que, nos últimos anos, o cenário tem sido dominado pelas mulheres. Segundo dados da pesquisa PGB, a divisão ficou entre 46,2% para os homens e 53,8% para as mulheres, em 2023. Uma grande vitória para o público feminino que cresce com esse percentual a cada ano.

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Arte: Guilherme Vieira.


A popularidade dos games ultrapassou barreiras, fazendo com que um dos fatores mais notáveis seja o enorme faturamento durante anos. Superando respectivamente os setores de cinematografia e da música, dados da Consultoria NewZoo mostram que o valor total do faturamento em 2022 chega a US$196,8 bilhões de dólares.


Mas enfim, o que se pôde concluir com tudo isso? Jogos eletrônicos podem ser proveitosos de seu tempo e não está comprovada a sua influência direta na violência física. A cada jogo lançado, várias histórias são contadas. Os roteiros nascem como os de um filme. Personagens em conexão com o jogador que refletem sentimentos de empatia, justiça, respeito e diversidade. São esses games que têm evoluído entre os jovens e atraído uma legião de admiradores.

 
 
 

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